quinta-feira, 2 de abril de 2009

Pacote é bom e "blindado" contra a crise

Etiene Ramos
Gazeta Mercantil/Relatorio - Pág. 2


Recife, 2 de Abril de 2009 - O ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada, com sede em São Paulo, Maílson da Nóbrega, está otimista com o Brasil e mais ainda com o programa Minha Casa, Minha Vida, lançado na semana passada pelo governo federal com a proposta de construir 1 milhão de moradias para quem ganha até 10 salários mínimos. A prioridade é para a faixa de até 3 mínimos, que responde por pelo menos 90% do total do déficit habitacional de 7,2 milhões de casas no País. Para isso, serão garantidos R$ 34 bilhões em subsídios aos compradores brasileiros que, pela primeira vez, segundo Nóbrega, contam com prazos longos de financiamento semelhantes aos de países de economia estabilizada.
Na décima edição do seminário "A Economia Brasileira e a Construção Civil", realizado pelo economista Josué Mussalém e pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil de Pernambuco, no Recife, no último dia 30, Maílson da Nóbrega apostou na recuperação da economia nacional mesmo no pior cenário que possa ocorrer: uma depressão mundial.
Bem humorado, ele contou a piada do sujeito que preparou-se para ser maquinista de trem e, no teste, depois de se sair bem nas perguntas sobre possíveis imprevistos, foi questionado sobre o que faria caso caísse na cabine, se machucasse e ficasse impossibilitado de continuar guiando o trem, que seguiria desgovernado. "Nesse caso", respondeu ele, "eu chamo minha mulher, Mariazinha, para ver o maior desastre de trem da História".
Mas Nóbrega não prevê Dona Marisa e seu marido, o presidente Lula, nesta cena. Nesta entrevista exclusiva à Gazeta Mercantil, ele destaca o fato de o presidente Lula ter ouvido o setor privado para criar o programa, apontado como um boa ajuda para o setor da construção civil com a promessa de movimentar R$ 60 bilhões na economia. À frente do Ministério da Fazenda entre 1988 e 1990, no governo de José Sarney, o economista, nascido no interior da Paraíba, viveu às voltas com a inflação que teimava em derrubar políticas públicas para a habitação, inviabilizando modelos como o do Sistema Financeiro da Habitação. Domada a fera, os tempos são outros. "A estabilidade macroeconômica é o principal ingrediente de um vigoroso programa de financiamento da habitação", decreta Maílson da Nóbrega.

Gazeta Mercantil - O senhor está otimista com o programa Minha Casa, Minha vida, que prevê a construção de 1 milhão de moradias no Brasil?
Alguém já disse que otimista é um pessimista mal informado. Penso que não sou mal informado. Tenho uma visão muito otimista de futuro para o Brasil. Embora o programa seja cercado de muitas incertezas, muito ceticismo, acredito que pode ter um impacto muito favorável na economia brasileira. Ele tem alguns aspectos que focam o lado certo da questão: o grande déficit do brasileiro está no segmento de renda mais baixa. Em segundo lugar, ele tem uma quantidade razoável de recursos para subsidiar o valor da prestação para esse segmento e tem o fundo de garantia para arcar com a prestação em hipótese de desemprego. E, por último, ao contrário do que costuma acontecer com o governo Lula, ele ouviu as opiniões e reivindicações do setor privado. Na última reunião do Conselho Diretor da Rodobens Negócios Imobiliários, do qual faço parte, discutimos as ideias do programa e a avaliação foi muito positiva. Embora haja um certo exagero no marketing - mas isso é a cara deste governo.
Gazeta Mercantil - Seria possível executar o programa até o final do atual governo, em 2010?
Falar em um milhão em casas populares é um exagero em curto prazo. Pode-se falar em 250 mil a 300 mil casas por ano. Por mero feeling, acho que falar em 500 mil casas até 2010 já é uma visão muito otimista. Porque não é tão simples quanto parece. Tem a questão da compra dos terrenos, o engajamento das prefeituras, os estados ainda não se pronunciaram sobre incentivos fiscais para a indústria da construção civil ou para os fornecedores dos insumos e isso é uma decisão que tem que ser tomada no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária, o Confaz, e com unanimidade dos governos estaduais.
Gazeta Mercantil - Os estados terão que criar políticas estaduais de benefícios para a construção?
O principal apoio dos Estados seria a concessão de incentivos fiscais no ICMS e a Constituição não permite que os Estados concedam unilateralmente esses benefícios, a não ser a redução da alíquota para o nível da alíquota interestadual. Para dar algo substancial é preciso um convênio, que requer a unanimidade dos membros do Confaz. Agora, de modo geral, acho que o programa está na direção certa. Nos últimos anos vem crescendo a percepção das empresas de construção habitacional de que o grande filão dos próximos anos vai ser a classe média-média. Quem ganha até dez mínimos será a base do grande mercado da construção nos próximos anos. Foi um mercado que esteve alijado nos períodos de inflação desembestada e da falta de financiamento adequado - o que estamos entrando agora. E essa crise pode ser apenas um espasmo, um soluço. Estamos entrando numa realidade de financiamento habitacional absolutamente inédita no Brasil.
Gazeta Mercantil - O senhor vê alguma semelhança com o extinto Sistema Financeiro da Habitação/Banco Nacional da Habitação, o SFH/BNH?
Não, nenhuma semelhança.
Gazeta Mercantil - Isso é bom?
É ótimo. O SFH/BNH foi uma experiência que na época teve seu valor. Mas começou associada à ideia de que era possível montar um esquema de financiamento habitacional num ambiente de inflação. Isso não deu certo porque a inflação, à medida que acelera, produz queda mais rápida da renda das pessoas, interfere na capacidade de pagamento. Não é a toa que, quando a inflação começou a acelerar, no final dos anos 70, o Sistema Financeiro da Habitação, liderado pelo BNDES, começou a fazer água e foi preciso criar vários consertos. Criou-se a prestação de acordo com o salário e com isso acumulava-se um saldo devedor impagável, que tinha que ser coberto pelo fundo de compensação salarial. Quando a inflação começou a chegar a três dígitos, ficou inviável reajustar prestações e o governo começou a fazer demagogia. Eu já vivi isso no governo Figueiredo. Estava no governo àquela época, e era uma demagogia inevitável: informavam à classe média que ela não teria um reajuste de três, mas no máximo de dois dígitos na sua prestação. Isso aumentava o rombo do sistema e o inviabiliza cada vez mais.
Gazeta Mercantil - A inflação derrubou o SFH/BNH?
A experiência do SFH/BNH foi uma comprovação da inviabilidade de um sistema de financiamento da habitação sob regime inflacionário. O que estamos aprendendo agora é que é a estabilidade que importa. A estabilidade macroeconômica é o principal ingrediente de um vigoroso programa de financiamento da habitação.
Gazeta Mercantil - Temos mais chances agora de sucesso?
A estabilidade, se for percebida como duradoura - que não vai ter uma aventura, que o governo não muda o curso da política monetária -, começa a consolidar um ambiente de previsibilidade, onde se enxerga o futuro de forma mais clara. Isso não resolve o problema das crises, mas elas ocorrem e a normalidade volta depois e não faz o estrago que a inflação fazia. Em segundo lugar, a previsibilidade, o horizonte mais largo de financiamento e de confiança, permite que o setor privado financeiro ofereça financiamentos de longo prazo. Há dez anos não se acreditaria que os bancos privados ofereceriam financiamentos de 25 a 30 anos de prazo.
Gazeta Mercantil - Nem o SFH/BNH tinha?
Não. Fui mutuário do SFH/BNH e o prazo era de 12 anos, o mais longo 15 anos. Financiamento de 30 anos de prazo é uma novidade absoluta no Brasil. Isso é parecido com o que existe nos países com uma história mais longa de estabilidade macroeconômica. Ela contribui, à medida que se consolida, para a redução da taxa de juros. O Brasil caminha para juros civilizados em alguns anos mais. Talvez estejamos diante de uma chance de uma queda estrutural na taxa de juros do País - poderíamos ter taxa de juros nominais de um dígito por longos períodos e talvez até para sempre. Taxa de juros baixa, ou relativamente baixa, e financiamentos longos, operam uma queda dramática no valor da prestação que começa a caber no salário das classes C e D. Quem é da classe A e B sempre arranja uma maneira de se financiar, compra com 12 anos de financiamento, mas a classe D não consegue comprar apartamento se não for com um prazo muito longo e algum tipo de subsídio como está acontecendo agora.
Gazeta Mercantil - Foi uma grande sacada do governo federal?
Essa é a grande contribuição do presidente Lula, a intuição que ele teve de preservar a política econômica. Ele é tão esperto, politicamente falando, que se convenceu que a política é dele. Como o PSDB sempre teve vergonha da política de Fernando Henrique Cardoso, Lula tirou esse discurso do PSDB. Passada essa crise, o que importa é que ela vai ser resolvida, não sabemos quando, mais vai ser resolvida.
Gazeta Mercantil - O pacote não corre o risco de ser atingido em cheio pela crise?
Não. O que atinge esse tipo de pacote é a instabilidade macroeconômica. É a volta da inflação, aí ele fica inviável, seja do ponto de vista do tomador do crédito, como o de quem financia. Começa a gerar desequilíbrios fatais como aconteceu com o SFH/BNH. Como é muito pequena a probabilidade de um retrocesso de política econômica - não obstante o PT fazer uma força enorme ao querer que o Lula baixe a taxa de juros -, o que pode afetar esse programa é se a duração e a intensidade da desaceleração for maior. Mas isso não o destrói. Até porque se o desemprego aumentar o programa tem um sistema de garantia da prestação. Nenhum analista do Brasil ou de fora prevê a volta da inflação. Pelo contrário, a previsão é que ela vá cair, o que é melhor ainda. A inflação, além de desequilibrar os contratos habitacionais, corrói a renda das classes menos favorecidas mais do que das ricas, que ganham com a inflação.
Gazeta Mercantil - O pacote seria um redentor para a construção civil do Brasil?
Não diria que é um redentor, mas é uma ajuda importante. Vemos aos números da Caixa Econômica Federal: menos de R$ 40 bilhões para 2009. Isso representa menos de 2% do PIB, não tem a capacidade de impulso que se imagina. Mas é um alívio a ampliação de mercado para empresas que estão nesse nicho e algumas que vão entrar nele. Vai ficar claro, ao contrário do que prevaleceu há 10, 20 anos, que é um bom negócio emprestar dinheiro para pobre e para classe média baixa.
Gazeta Mercantil - Parece que a inadimplência é menor nessas faixas...
Sim, é menor e há benefícios fiscais, sem contar a tecnologia que melhorou muito. A Rodobens, por exemplo, desenvolveu uma tecnologia de condomínios habitacionais que é impressionante: consegue fazer uma casa de baixo custo a cada sete dias.
Gazeta Mercantil - E quanto custa esta casa?
Depende da área, mas sai a partir de R$ 70 mil. Agora a empresa vai focar esse mercado que é abaixo do que ela foca e, certamente, vai ser muito competitiva. Já tem um produto destinado a quem ganha até três salários mínimos.
Gazeta Mercantil - O momento está propício para atender a esse público?
Temos hoje um ambiente novo: previsibilidade, estabilidade macroeconômica, juros caminhando para níveis civilizados, prazos se ampliando e a tecnologia de construção melhorou muito, outra consequência da abertura de economia com estabilidade. As empresas brasileiras de construção ou de materiais fizeram parcerias, importaram tecnologia. Deixou de ser proibido importar no Brasil e isso tudo favoreceu a capacidade de inovação, a melhoria dos processos de engenharia. Hoje se faz construção habitacional no Brasil a um custo muito mais baixo e com melhor qualidade do que na época que o País era fechado e havia inflação.
Gazeta Mercantil - E fora desse mercado popular, o que é melhor para um construtor: classe média ou classe alta?
O mercado vai estar muito limitado pela queda na atividade econômica. Mesmo nas classes A e B, que costumam não ter problemas de financiamento para comprar casa, muita gente vai pensar duas vezes. Certamente o mercado desacelera nesse segmento. Ocorre o mesmo no corporativo. As empresas estão revendo seus planos de negócios e de investimentos porque enxergam rapidamente uma redução de demanda e a formação de incertezas no horizonte. Mas isso é uma questão de tempo. Permanece válida a percepção de que nos próximos anos vamos ver uma consolidação na construção civil. Muitas empresas vão se fundir, outras vão ser incorporadas preparando-se para quando o mercado se normalizar.
Gazeta Mercantil - Isso seria o cenário para 2009?
Eu acho que sim. Esse mercado pode se normalizar a partir do segundo semestre deste ano, nesses segmentos que dependem de um ambiente melhor de expectativas quanto ao futuro.
Gazeta Mercantil - Não se pode esperar muito...
As empresas que se prepararam, fizeram boa gestão de caixa, têm tempo para esperar e para renegociar suas dívidas. O sistema financeiro fica mais receptivo à renegociação do que em épocas de normalidade. E tem a área de construção pesada que depende muito dos investimentos em infra-estrutura. Acho que também tendem a desacelerar, mas menos que os demais porque muitos projetos estão em andamento. A crise não vai paralisar as usinas do rio Madeira, os projetos de ampliação de investimentos em energia eólica. Provavelmente deve desacelerar na geração de energia do bagaço de cana ou da produção de álcool, mas acredito que é uma pausa e a maioria das empresas brasileiras está preparada para esperar.
Gazeta Mercantil - E não há riscos ?
Claro. Há riscos. Dependemos muito no Brasil do que acontecer nos Estados Unidos e na China. Se esta crise desaguar num processo de depressão, todo esse cenário terá que ser revisto. Ou seja, o pressuposto básico deste cenário, de incertezas e desaceleração em 2009 e muita expectativa e otimismo para 2010, é que os Estados Unidos conseguirão estabilizar seu sistema financeiro e começam o processo de recuperação na virada deste ano para consolidar em 2010. Se isso não acontecer, vamos chamar a Mariazinha...

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