sexta-feira, 28 de maio de 2010

Inovações e desafios no crédito imobiliário

Alkimar R. Moura & Antonio C. Manfredini Oliveira
O Estado de S.Paulo

Uma das mudanças mais importantes no mercado de empréstimos no Brasil relaciona-se ao recente crescimento das operações de crédito imobiliário, tanto as originadas no antigo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE) quanto as vinculadas ao "novo" Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Essa mudança envolve aumento substancial nos recursos para o financiamento habitacional, alongamento considerável nos prazos, maior flexibilidade nas regras operacionais dos agentes financeiros e a criação de novos instrumentos de captação para o setor. Tal modernização do crédito imobiliário resultou da atuação de vários agentes: Banco Central (BC), Congresso, instituições financeiras, incorporadoras, construtoras, etc., dentro do marco regulatório implantado pela Lei n.º 9.514/1997, com inovações financeiras e regulamentares como a securitização de recebíveis imobiliários e a alienação fiduciária de imóveis. Em 2004, a Lei n.º 10.931 instituiu o patrimônio de afetação e as Letras de Crédito Imobiliário. Por fim, o governo federal criou um programa de incentivos à construção de moradias para a população de menor renda.
Além das mudanças institucionais, o pano de fundo macroeconômico favorável ao alongamento dos prazos do crédito imobiliário foi a queda na taxa real de juros, em razão da atuação consistente do BC em busca da estabilidade monetária. Da mesma forma, o aumento do emprego e da renda real gerou ampliação significativa na demanda por crédito imobiliário.
Os maiores bancos privados nacionais estão ativos em crédito habitacional. Alguns bancos estrangeiros procuram adaptar ao Brasil suas experiências nos países desenvolvidos, onde o financiamento imobiliário já está consolidado. A Caixa Econômica Federal (CEF), a maior e mais tradicional operadora do crédito imobiliário no País, tem destinado volumes crescentes de recursos ao setor, procurando alternativas de "funding" aos instrumentos tradicionais da caderneta de poupança, do FGTS e dos repasses do Orçamento federal. De outro lado, para aumentar sua carteira de crédito, a CEF procura agilizar suas decisões de financiamento imobiliário. Ela anunciou recentemente uma inovação na concessão de crédito habitacional. A ideia, segundo notícias na imprensa, é delegar a responsabilidade pela análise do crédito a empresas do setor imobiliário, que são as partes mais interessadas na construção e venda de imóveis novos, assim "terceirizando" a análise da concessão de crédito. Com isso se encurta o prazo das análises, gerando benefícios para os agentes envolvidos no processo: para o mutuário final, maior rapidez na análise e na resposta da instituição bancária; para o construtor/incorporador, menor período para acesso aos recursos do agente financeiro, diminuindo sua necessidade de capital de giro, incrementando sua rentabilidade operacional e lhe permitindo aumentar os volumes produzidos e vendidos. Para a CEF, a maior velocidade nos processos de análise pode permitir contratar novos financiamentos.
Em tese, a terceirização da análise de crédito parece ser um jogo "ganha-ganha", em que todos se beneficiam com a inovação no processo decisório. Mas uma dificuldade potencial com esse arranjo é o possível incremento nos chamados "custos de agência", decorrentes da modificação no comportamento dos agentes envolvidos no processo de crédito. Em princípio, o comportamento dos mutuários finais não deve alterar. Mas a CEF, ao mudar seu processo decisório, delega a um terceiro ("agente") a tarefa de analisar o crédito de tomadores potenciais. Esse agente, o incorporador/construtor, não é necessariamente neutro em relação aos resultados da transação final, que é a venda de um imóvel financiado. Seu interesse básico é vender imóveis e isso é facilitado pela disponibilidade de crédito. Existe, pois, um incentivo a que a análise de crédito seja relativamente mais frouxa, dando origem ao que se chama de seleção adversa, ou seja, escolher os compradores menos propensos a honrar seus compromissos com a instituição financiadora. Assim, sem elementos mitigadores, os benefícios da concessão mais ágil do crédito podem ser suplantados pela seleção inadequada de compradores, gerando, via aumento da inadimplência, um custo maior que os benefícios decorrentes da mudança no processo decisório de crédito.
A atual crise financeira internacional originou-se, em parte, no relaxamento dos padrões de concessão de crédito habitacional a devedores de maior risco. Devemos evitar repetir os mesmos erros. Não há dúvida de que o setor imobiliário brasileiro tem apresentado desempenho notável e dele ainda se espera muito. Maior atenção aos mecanismos que estão sendo criados é vital para construir uma história longa de sucessos e sem sobressaltos.
SÃO PROFESSORES DE ECONOMIA DA EAESP/FGV

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